Caio Plínio Romano, conhecido como Plínio, o Velho (para diferenciá-lo de um sobrinho seu com o mesmo nome, chamado de o Moço, ou o Jovem), foi escritor historiador, naturalista, gramático, administrador, oficial romano, e talvez o maior erudito da história imperial romana. Ele nasceu em Comum, atual Como, em 23, e morreu em 79. Ainda jovem foi para Roma e ingressou na carreira militar, servindo primeiramente na África, e depois assumindo o comando de uma tropa de cavalaria na Germânia, aos 23 anos de idade. Regressando a Roma, estudou Direito e tornou-se procurador na Espanha, ao tempo em que Nero era imperador, e depois na África e na Gália. Além disso, ainda desempenhou outras funções em várias partes do Império. Ao falecer, durante a erupção do Vesúvio, comandava as frotas romanas em Miseno, nos arredores de Nápoles.
Seu trabalho literário abrange os terrenos da tática militar, História, Gramática, Retórica e Ciências Naturais, mas de seus escritos chegou até nós apenas a História Natural, uma enciclopédia científica em 37 volumes, bastante cuidada e de grande importância, onde o autor relata todo o conhecimento científico existente até o início do cristianismo, fornecendo em torno de 35.000 informações úteis. Segundo os pesquisadores, Caio Plínio Segundo tentou reunir nessa obra todo o saber do mundo antigo, e para isso tratou de diversas matérias em seu conteúdo, tais como geografia, cosmologia, fisiologia animal e vegetal, medicina, história da arte, mineralogia e outras. Ao abordar os campos da ourivesaria, da escultura, da pintura e da arquitetura, colocou à disposição dos leitores dados importantes sobre a arte antiga.
Para realizar esse trabalho ele teria compilado mais de 2.000 livros de 146 autores romanos e 327 estrangeiros, produzindo um texto que, apesar das imprecisões de alguns dados técnicos – oriundos muitas vezes das próprias fontes transcritas -, e do estilo variando entre linguagem corrente e o vocabulário elaborado, pode ser considerado como um dos melhores produzidos na antiguidade clássica.
O conhecimento que se tem sobre sua morte provém das referências feitas por seu sobrinho e também escritor, Plínio, o Moço (62-113), em duas cartas dirigidas a Tácito, historiador romano, nas quais ele diz:
Caro Tácito. Você me pede informações sobre a morte de meu tio, para mais fielmente transmitir a sua narrativa à posteridade. Agradeço-lhe porque creio firmemente que, se escrever a história dos seus últimos momentos, eles se cobrirão de gloria imorredoura. E, posto que ele morresse num desastre que assolou a mais rica região do universo, sucumbindo em meio da destruição de povos e cidades inteiras, vitima de uma catástrofe que lhe eternizará a memória; e ainda que por suas próprias mãos ele mesmo levantasse tantos monumentos duradouros do seu gênio, a imortalidade das vossas obras muito aumentará a do seu próprio nome.
Por essa ocasião achava-se ele em Misena, comandando a armada. No vigésimo terceiro dia de agosto, pouco mais ou menos á uma hora da tarde, minha mãe preveniu-o do aparecimento de uma nuvem de grandeza e forma extraordinárias.
Depois de haver feito a sua estação ao Sol e tomado banho frio, tinha ido deitar-se no leito em que descansava ordinariamente e entregara-se ao estudo. Levantou-se imediatamente e dirigiu-se a um lugar elevado de onde podia observar bem este prodígio. A nuvem subia aos ares, sem ser possível determinar, de tão grande distância, qual a montanha de onde partira; o próprio fenômeno fez conhecer mais tarde que fora do Vesúvio. Assemelhava-se na forma a uma árvore e, mais particularmente, a um pinheiro; por isso que, elevando-se para o céu como um tronco imenso, apresentava-se dividida, no topo, em ramos horizontais.
Imagino eu que estes vapores, sendo impelidos por uma corrente subterrânea muito impetuosa, e chegando a uma certa altura em que a ação dessa corrente se não fazia sentir, ganharam em superfície, alastrando em virtude do seu próprio peso. Apareciam ora completamente brancos, ora pretos, ora diversamente corados, conforme estavam mais carregados de cinza ou de terra.
Este prodígio causou grande surpresa em meu tio, que no seu zelo pela ciência quis examiná-lo mais de perto. Mandou preparar uma pequena embarcação, deixando-me a liberdade de o acompanhar. Respondi-lhe que preferia ficar estudando. Acabava de sair de casa, quando lhe foi entregue um bilhete de Rectina, mulher de Coesio Bassio, que aterrada pela iminência do perigo (ficando sua casa situada na falda do Vesúvio, só por mar poderia salvar-se) lhe pedia para a socorrer.
Mudou então de intento, realizando por dedicação o que ao principio empreendera pelo simples desejo de se instruir. Deu ordem para se prepararem alguns barcos e embarcou ele mesmo para ir socorrer Rectina e muitos outros habitantes de deliciosos sítios. Dirigiu-se à pressa para os lugares de onde todos fugiam; caminhou direito ao perigo, afrontando-o com a maior serenidade, a ponto de fazer a descrição dos diversos incidentes e dos variados aspectos que o prodígio lhe oferecia à vista.
Caia já sobre os navios uma cinza tanto mais quente quanto mais se aproximavam, envolta em pedras calcinadas e fragmentos negros, lascados pela violência do fogo. O mar baixara de repente, tornando a praia inacessível em virtude dos montões de pedra que a cobriam. Meu tio ficou por um momento indeciso sobre se retornaria, mas imediatamente, como o piloto o aconselhasse a que voltasse, respondeu-lhe: “a fortuna favorece os audazes; leva-me a casa de Pompiano”. Pompiano estava em Stabies, do outro lado de um pequeno golfo formado pela curva da margem.
Em vista do perigo que se aproximava a passos largos, Pompiano havia feito conduzir para ali os seus móveis e os embarcara, só esperando por um vento menos contrario para partir. Meu tio, favorecido pelo mesmo vento, salta em terra, dirige-se a casa dele, abraça-o, acalma a sua agitação, conforta-o, anima-o, e para dissipar o terror de que ele se achava possuído, fez-se conduzir ao banho. Depois sentou à mesa e comeu com alegria, ou, com toda a aparência de alegria, o que não supõe menos força da alma.
Viam-se, contudo, luzir em muitos pontos do monte Vesúvio grandes línguas de fogo e um vasto braseiro, tanto mais brilhante quanto mais profundas eram as trevas que o envolviam. Para tranqüilizar seus companheiros, meu tio dizia-lhes que era o incêndio das casas abandonadas pelos camponeses. Em seguida foi deitar-se e dormiu um profundo sono, tão profundo que da porta ouvia-se o ruído da sua respiração. Como, porem, o pátio que dava para o seu aposento começasse a encher-se de cinzas e pedras, a ponto de em pouco lhe poder ser cortada a saída, despertaram-no; ele levantou-se e foi juntar-se a Pompiano e às outras pessoas que haviam ficado alerta.
Discutiram então se deviam conservar-se dentro de casa ou vaguear pelos campos, porquanto as casas estavam de tal modo abaladas pelos sucessivos e violentos tremores de terra, que pareciam ter sido levantadas das fundações, impelidas em todos os sentidos, alternadamente, e restituídas enfim á posição primitiva. Por outro lado havia a temer, fora da cidade, a chuva de pedras, posto fossem de pequenas dimensões e carcomidas pelo fogo. Destes perigos adotaram o menor. No espírito do meu tio dominou a razão mais forte sobre a mais fraca; no espírito dos que o cercavam prevaleceu um temor sobre o outro. Ataram em volta da cabeça travesseiros, à guisa de escudos contras as pedras que caíam.
De resto, despontava o dia, se bem que os envolvesse a mais escura noite, alumiada, contudo, por labaredas de toda a espécie. Quiseram aproximar-se da praia para ver se o mar permitiria qualquer tentativa, mas o acharam sempre proceloso e contrário. Chegado ai, meu tio deitou-se sobre um lençol estendido no solo, pediu água fria e bebeu dois goles.
Pouco depois as chamas e um cheiro de enxofre que as precedia e anunciava, puseram todos em debandada e obrigaram meu tio a afastar-se. Levantou-se encostado a dois escravos, e no mesmo instante caiu morto. Penso que esse espesso fumo lhe suspendeu a respiração e o sufocou. (…)
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