O pacato trabalho do jovem Espártaco certamente não lhe reservava o lugar que ocupa na história – nada indicava que o pastor trácio viesse a liderar milhares de homens na maior revolta armada de escravos de que se tem notícia. E foi Roma, a vítima de sua rebeldia, que o iniciou na vida militar: quando, no século 1 a.C., os romanos invadiram a região balcânica da Trácia, pilhando e escravizando os vencidos, Espártaco emigrou para a Ásia e, ao que parece, alistou-se no exército de Mitrídates, rei do Ponto. Aprisionado numa batalha da Ásia Menor, foi automaticamente escravizado. O romano Lêntulo Batiato – que possuía em Cápua a melhor escola de gladiadores de toda a Itália, comprou-o, impressionado com seu vigor e sua habilidade no manejo das armas.
Os espetáculos de gladiadores e feras, na arena dos circos, eram então muito comuns; os patrícios pretendentes a cargos públicos ofereciam-nos à plebe, a fim de angariar seus votos. Os gladiadores eram escravos, naturalmente bem alimentados e cuidados, mas sujeitos ao resultado das lutas de que participavam – muitas vezes a derrota significava a morte. Bom gladiador, Espártaco ganhou prestígio entre seus colegas e logo passou a incutir o espírito de rebeldia contra sua condição de escravos. Num dia do ano de 73 a.C., juntamente com Crixo e Enomau, originários da Galácia, antiga região da parte central da Ásia Menor, ele liderou a fuga de todos os 74 escravos da escola de Batiato, organizando com eles um bando armado.
Durante uns dois anos, à frente de seu pequeno exército, Espártaco viveu de assaltos a vilas romanas, pilhando e massacrando seus proprietários. Logo outros escravos fugitivos vieram juntar-se a ele, nascendo, assim, a história épica de um dos mais célebres chefes rebeldes de todos os tempos.
O número de escravos nos domínios romanos era enorme. Embora muitos deles já tivessem nascido sem liberdade (os vernae), a maior parte era constituída pelos mancipia, ou seja, homens livres escravizados. Não só os prisioneiros de guerra contra povos estrangeiros eram escravizados – o mesmo ocorria com cidadãos romanos vencidos em guerras civis e com os devedores que não conseguiam saldar suas dívidas no prazo combinado. O bando de gladiadores, acampado nas encostas do Vesúvio, recebeu a adesão de centenas de escravos e também de plebeus famintos, entre os quais era igualmente grande a insatisfação.
Para desbaratá-los, um exército romano com cerca de 3.000 homens cercou o Vesúvio, mas os rebeldes romperam o cerco sem muita dificuldade e dispersaram os sitiantes. A partir dessa vitória, em pouco tempo os quinhentos homens do Vesúvio já somavam mais de mil. Com eles Espártaco organizou um verdadeiro exército e marchou em direção ao sul, para a província montanhosa de Lucânia.
Quando esses homens destruíram a cidade de Nola, o Senado romano compreendeu o alcance da ameaça que pesava sobre a capital do mundo e sua ordem escravista, e por isso entregou ao cônsul Públio Verínio Glaber a tarefa de combatê-la.
Este, à frente de suas tropas, marchou ao encontro do inimigo, sendo derrotado, porém, em sucessivas batalhas. Chegando a Túrio, o exército rebelde acampou nos arredores da cidade, estabelecendo um acordo com os comerciantes e com a prefeitura da cidade. Emissários de Espártaco agitavam todo o sul da Itália, trazendo novos reforços aos rebeldes, que agora somavam 70.000. Os historiadores romanos Apianc e Salústio relatam que no acampamento os rebeldes tinham vida austera; o ouro, símbolo da corrupção, tinha sido abolido. Os ex-escravos mais cultos, em sua maioria sírios e gregos, instruíam os que desejassem. Segundo Salústio (83-35 a.C.), Espártaco era “grande no corpo e na alma, agindo principalmente pela persuasão, e não pelos métodos da feroz e desumana disciplina militar”
Em Túrio, através de um de seus informantes, Espártaco soube que um grande exército romano, comandado pelos cônsules Gélio Publícola e Cornélio Lêntulo, preparava-se para atacar os insurretos. Não se intimidando com essa informação, o ex-escravo marchou com seus homens rumo ao norte, para enfrentar o inimigo. Seu companheiro Crixo, que chefiava uma das tropas rebeldes, venceu a batalha de Gárgano, mas logo após foi massacrado.
No Sâmnio, Espártaco conseguiu desbaratar as legiões romanas, e, às margens do Pó, decidiu avançar sobre Roma. Dominada pelo pânico, a cidade só foi salva pela hesitação dos invasores, o que permitiu a recomposição militar dos romanos comandados por Marco Licínio Crasso (114-53 a.C.). Este afastou os atacantes, e pouco a pouco os foi encurralando no extremo sul.
Mais uma vez, contudo, Espártaco realizou façanha notável. Valendo-se da escuridão noturna ele lançou pontes pré-fabricadas sobre as trincheiras que Crasso mandara escavar e tinha como inexpugnáveis, rompendo o cerco e fugindo para o norte com seu exército faminto e já pouco numeroso. Imaginando que os adversários atacariam Roma, Crásso mandou chamar Pompeu (106-48 a.C.) e suas legiões, na Espanha.
Ameaçado por este exército que penetrava na Itália, pela Gália, ao qual se juntou o de Crasso, que avançava para o norte, Espártaco travou, então, a última batalha, que aconteceu às margens do rio Silaro, na Lucânia, no ano de 71 a.C.. Debilitado pelas derrotas anteriores e enfrentando forças muito superiores, foi finalmente vencido. Sobre tal desenlace, o historiador Salústio assinalou que “Os rebeldes morreram como guerreiros, e não como escravos”.
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