De origem humilde, Garrincha começou a jogar futebol no time da comunidade onde morava. Tinha apenas quatorze anos de idade, mas a facilidade com que se livrava dos adversários responsáveis pela ingrata tarefa de marcá-lo em campo, já chamava a atenção dos que tinham oportunidade de vê-lo em ação. Seu drible fácil, quase sempre para a direita, prenunciava o que dele diria mais tarde o escritor Carlos Drummond de Andrade: “Se há um deus que regula o futebol, esse deus é, sobretudo, irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios”.
Um dia, segundo consta, Arati, ex-jogador do Botafogo carioca, o levou ao campo de treino do clube a que pertencera, para que se submetesse a um teste. Alguns biógrafos de Garrincha afirmam que ele já havia tentado a mesma coisa em outros times do Rio de Janeiro sem, no entanto, merecer maior atenção: sua perna esquerda, arqueada para fora, causava nos técnicos que o examinavam com o olhar rápido de quem tem tarefas mais importantes a realizar, uma primeira impressão absolutamente negativa, e por isso não lhe davam oportunidade de mostrar do que era capaz.
Mas no dia 10 de junho de 1953 Garrincha chegou ao Botafogo para ser “experimentado”. Durante o treino o técnico Gentil Cardoso o colocou na ponta-direita do time reserva, tendo Nilton Santos, o lateral-esquerdo da seleção brasileira, como marcador. No livro “Estrela Solitária”, o escritor Ruy Castro relata essa passagem da seguinte forma:
Quando aquele ponta novato dominou a bola e parou para esperá-lo, Nilton partiu tranqüilo para desarmá-lo. Tranqüilo até demais, porque quando se deu conta, já havia sido driblado para fora. Correu atrás dele, e quando emparelharam, o ponta freou cantando os pneus. Ficaram de novo frente a frente. Nilton entrou duro para assustá-lo, mas foi driblado outra vez, e do mesmo jeito. Em outra jogada, minutos depois, o pontinha cometeu a suprema indelicadeza e enfiou-lhe a bola entre as pernas. Até então, Nilton Santos nunca permitiria tal desfeita a ninguém. Tudo isso é fato, mas o tempo exagerou o que aconteceu. Os relatos futuros criaram a ilusão de um fantástico baile de Garrincha em Nilton Santos. E não foi bem assim. Houve lances em que Nilton Santos também desarmou Garrincha com facilidade, e igualmente o driblou”.
Segundo a imprensa, o relato acima explica a correria dos homens do Botafogo, após o treinamento, para fazer Garrincha ‘assinar qualquer papel’, para segurá-lo. Nilton Santos foi consultado e deu a sua opinião favorável: “O garoto é um monstro. Acho bom vocês o contratarem. É melhor ele conosco do que contra nós”. Anos depois, Nilton lembrou daquele dia com saudade. “Eu vi um cara todo estranho, todo torto, e pensei: – é mais um que vem treinar. Não era. Balançou e passou por mim várias vezes. Eu perguntei: – O que é isso? Nem ele sabia explicar aquele drible. Ele ia levando a bola e de repente escapava sem o marcador nem notar”.
E foi assim que começou a carreira futebolística profissional de Mané Garrincha, o “anjo das pernas tortas” que inspirou o poeta Vinícius de Moraes na criação da seguinte poesia: “A um passe de Didi, Garrincha avança / Colado o couro aos pés, o olhar atento. / Dribla um, dribla dois, depois descansa, / como a medir o lance do momento. / Vem-lhe o pressentimento, ele se lança / mais rápido que o próprio pensamento. / Dribla mais um, mais dois, a bola trança / feliz entre seus pés – um pé de vento! / Num só transporte a multidão contrita, / em ato de morte se levanta e grita / seu uníssono canto de esperança. / Garrincha, o anjo, escuta e atende: Goooooool / É pura imagem: um G que chuta um O. / Dentro da meta um L. É pura dança!”.
O site www.botafogopaixao.kit.net afirma que “era um verdadeiro espetáculo vê-lo deslizar pela ponta direita, demolindo todos aqueles que tentavam impedi-lo. Era o símbolo maior do futebol moleque, irreverente, de cruzamentos precisos e muita ingenuidade”. E está absolutamente correto. Tanto que na Seleção Mundial do século XX, escolhida pela Federation Internationale de Football Association (Fifa), em 1998, seu nome aparece ao lado dos de Yashin – Goleiro, Carlos Alberto – Lateral-direito, Bobby Moore – Zagueiro, Beckenbauer – Zagueiro, Nilton Santos – Lateral-esquerdo, Cruyff – Meio-campista, Platini – Meio-campista, Di Stéfano – Meio-campista, Maradona – Atacante. Garrincha – Atacante e Pelé – Atacante.
Garrincha foi campeão mundial de futebol em 1958 e 1962; campeão carioca pelo Botafogo em 1957. 1961, 1962. Além disso, participou da conquista de inúmeros outros quadrangulares e torneios. Sobre ele, muitas frases foram ditas com carinho e admiração. Como a de Gavril Katchalin, técnico soviético em 1962:
“Garrincha é um verdadeiro assombro. Não pode ser produto de nenhuma escola de futebol. É um jogador como jamais vi igual”. Ou a do jornal chileno El Mercúrio, em 1962: “De que planeta veio Garrincha?”. Ou ainda a de Didi, seu companheiro no Botafogo e na seleção: “Eu fazia o lançamento e tinha vontade de rir. O Mane ia passando e deixando os homens de bunda no chão. Em fila, disciplinadamente”. E também a de Nils Liedholm. meia da Suécia na Copa de 1958: “Estávamos em pânico pensando no que Garrincha poderia fazer. Não existia marcador no mundo capaz de neutralizá-lo”.
Irreverente, ingênuo, brincalhão, simples e humilde, era dono da arte e competência sem igual com que encantava torcedores do mundo inteiro, até mesmo dos times adversários, Garrincha foi, realmente, a “alegria do povo”. Jogou pelo Botafogo, de 1953 a 1965; pelo Corínthians Paulista, em 1966; pelo Atlético Júnior, da Colômbia, em 1968; pelo Flamengo, em 1969; e no Olaria carioca, em 1972, ano em que encerrou sua carreira.
Como jogador da seleção brasileira, disputou 60 partidas, das quais perdeu só uma: contra a Hungria (3 a 1), na Copa de 1966. Em 19 de dezembro de 1973, no jogo de gratidão para Garrincha, a torcida que sempre soube admirá-lo lotou o estádio para se despedir do craque que amava, o maior ponta-direita do mundo.
Garrincha morreu no dia 20 de janeiro de 1983, no Rio de Janeiro, vítima de um edema pulmonar, e seu velório foi realizado no estádio do Maracanã,
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