Diz-se que o poeta grego Homero, considerado o fundador da poesia épica (a que narra os feitos heróicos), foi também o maior épico de todos os tempos. Apesar disso, a data e o local do seu nascimento são ignorados, embora sete cidades gregas reivindiquem tal honra, mas mesmo não se sabendo nada de concreto sobre sua vida, a suposição é a de que tenha vivido entre os séculos 11 e 7 a.C.. Inúmeros dados fantasiosos sobre ele foram transmitidos desde a Antigüidade, dando origem à versão de que teria sido um mendigo cego que andava de cidade em cidade tangendo a lira e cantando os seus versos.
A Ilíada e a Odisséia, os dois poemas épicos que lhe são atribuídos, constituem as obras literárias gregas mais antigas que se conhecem e marcam o nascimento da literatura européia. A natureza desses poemas indica claramente que foram compostos para a repetição oral, sendo declamados por gerações sucessivas de poetas, trovadores e cantores, antes de sua reprodução pela escrita. Caracterizam-se pela beleza e variedade das cenas descritas, pela habilidade de apresentar a vida em todos os seus aspectos, pelo profundo senso de humanidade, pela capacidade de moldar características, pela trama bem arquitetada, pela clareza, e outros fatores mais.
Há uma grande unidade entre os dois poemas, que se completam na forma e no conteúdo. A narrativa da Ilíada se desenvolve em torno do cerco de Ilion, o antigo nome de Tróia, durante o nono ano da guerra entre gregos e troianos, abordando a ira de Aquiles e a conseqüente morte de Heitor e derrota dos gregos, descrevendo também com precisão o mundo grego daquela época. Já “Odisséia” conta a aventura vivida por Odisseus, ou Ulisses, em terra e no mar, durante a sua viagem de retorno ao lar, em Itaca, após o término da guerra de Tróia – onde o aguardavam a esposa Penélope e o filho Telêmaco -, jornada que durou dez anos, período em que o herói grego viveu diversas aventuras. Em seu Canto I – Assembléia dos Deuses – Exortação de Atena a Telêmaco, os parágrafos iniciais dizem:
“Ó Musa, fala-me do solerte varão, que, depois de ter destruído a cidade sagrada de Tróia, andou errante por muitas terras, viu as cidades de numerosas gentes e lhes conheceu os costumes; e, por sobre o mar, sofreu no seu coração aflições sem conta, no intento de salvar a sua vida e de conseguir o regresso dos companheiros. Mas, não obstante o seu desejo, não os salvou, pois pereceram por desatino próprio os insensatos, que devoraram as vacas do Sol, filho de Hiperíone, pelo que este não os deixou ver o dia do regresso. Deusa, filha de Zeus, conta- nos a nós também algumas dessas empresas, começando por qualquer delas”.
“Já estavam todos na pátria os que, na guerra e no mar, tinham escapado a uma cruel morte; Ulisses era o único que suspirava pelo regresso e pela esposa, detido numa côncava gruta pela veneranda ninfa Calipso, a deusa preclara que o desejava para marido. E quando, no curso dos tempos, chegou a época decretada pelos deuses para ele voltar a Ítaca, a sua pátria, nem sequer então, estando entre os que lhe eram caros, foi livre de trabalhos. Todos os deuses se compadeciam dele, exceto Posidão, que permaneceu encolerizado contra o deiforme Ulisses, enquanto não chegou à sua terra”.
“Ora o deus tinha ido à afastada região dos Etíopes – povo que vive nos confins da terra e se divide em dois ramos: um para o lado do poente e outro para o levante, – a fim de receber uma hecatombe de touros e de cordeiros. E, enquanto se deliciava, assentado à mesa do festim, os outros deuses reuniam-se no palácio de Zeus Olímpico. O primeiro a falar foi o pai dos homens e dos deuses, porquanto tinha presente, no seu espírito, o irrepreensível Egisto, ao qual matara o famoso Orestes, filho de Agamémnone. Lembrado dele, disse aos imortais: – Oh, que exprobação não fazem os homens aos deuses! Dizem que de nós procedem os males, quando só eles, por loucura própria e contra a vontade do destino, são os seus autores, como sucedeu a Egisto que, contrariando o fado, desposou a legítima mulher do filho de Atreu, a quem matou no regresso, apesar de saber que o esperava uma morte cruel.
E nós tínhamo-lo aconselhado antes, por meio de Hermes, o vigilante Argifonte, que o não matasse, nem lhe cobiçasse a esposa, pois Orestes vingaria o filho de Atreu, logo que chegasse à idade núbil e sentisse saudades da sua terra. Assim lho declarara Hermes; sem embargo, os seus bons conselhos não persuadiram o espírito de Egisto, que expiou todos os crimes de uma só vez”.
“Atena, a deusa de olhos brilhantes, respondeu-lhe: – Pai nosso, filho de Crono, dominador supremo, ele sucumbiu a uma morte muito justa; e assim morra quem praticar obras semelhantes. Mas o prudente Ulisses confrange-me o coração, o infeliz, que pena, há tanto tempo, longe dos amigos; numa ilha circundada pelas ondas, onde está o centro do mar. A ilha é nemorosa e nela tem a sua habitação uma deusa, a filha do pernicioso Atlas, o qual conhece todas as profundidades marinhas e sustenta as altas colunas que separam a Terra do céu.
Ela o retém aí, apesar dos seus queixumes, e não cessa de seduzi-lo com palavras doces e lisonjeiras, afim de que se esqueça de Ítaca. Ulisses, porém, que desejaria ver ainda que não fosse mais que o fumo que sobe da sua terra, suspira pela morte. E isto, Olímpico, não te comove o coração? Não te foi Ulisses grato, quando, junto das naus dos Argivos, na vasta Tróia, te ofereceu sacrifícios? Por que estás, pois, ó Zeus, tão irritado contra ele?”
“Zeus, o amontoador das nuvens, em resposta disse-lhe: – Minha filha, que palavra te escapou do cerco dos dentes? Como poderia esquecer-me do divino Ulisses, em inteligência o primeiro dos homens, que ofereceu mais sacrifícios que ninguém aos deuses imortais, moradores do vasto céu? Mas Posidão, o Sacudidor da terra, tem-lhe ódio, por ter cegado o único olho do Ciclope, de Polifemo, semelhante a um deus.
Este é de todos os Ciclopes o mais valente e nascera da ninfa Toosa, filha de Forco, dominador do mar estéril, a qual se ajuntara com Posidão numa gruta côncava. Desde então, o Sacudidor da terra, se bem que não matou Ulisses, fá-lo errar longe da pátria. Mas nós, todos os presentes, ponderemos o modo como se realizará o regresso dele; e Posidão deporá a sua cólera, pois ser-lhe-ia impossível, não concordando com os deuses, contender só com todos os imortais juntos”.
Em 1795, o alemão Friedrich August Wolff afirmou, baseado em estudos estilísticos, que a Ilíada e a Odisséia são de poetas diferentes. Outros historiadores acreditam que elas possam ser obras coletivas, ou ainda que Homero teria compilado poemas populares.
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