terça-feira, 12 de junho de 2018

Dora Vivacqua

Dora Vivacqua, ou Luz Del Fuego, como se tornou conhecida, nasceu em Cachoeiro do Itapemirim, Espírito Santo, em 21 de fevereiro de 1917. Sua família mudou-se para Belo Horizonte, Minas Gerais, no início dos anos 20, mas em agosto de 29, devido ao assassinato do pai, ela foi morar com um irmão no Rio de Janeiro, onde iniciou, em janeiro de 1936, um romance não aceito pelos familiares.
Por isso mandaram-na de volta para Belo Horizonte, aonde logo depois a apanharam praticando sexo com o cunhado, um rico empreiteiro da capital mineira, na própria cama do casal que a hospedava. Considerada esquizofrênica, foi internada por dois meses no hospital psiquiátrico Raul Soares, daquela cidade, abrigando-se, ao sair, na fazenda de outro irmão.
Lá ela desfrutou de relativa liberdade até o dia em que apareceu diante de um filho do administrador da propriedade, e dos demais empregados, com três folhas de parreira cobrindo-lhe os seios e sexo, e duas cobras-cipó enroladas nos pulsos, à guisa de braceletes. Repreendida pelo irmão, atirou-lhe um vaso de cristal na testa.  Novamente Internada, dessa vez na famosa clínica psiquiátrica Doutor Eiras, no Rio de Janeiro, fugiu de lá antes de decorrido um ano, retornando a Cachoeiro do Itapemirim, levada por outra irmã. Mas permaneceu pouco tempo na sua terra natal, porque logo procurou reencontrar o primeiro namorado carioca e reiniciar com ele, em 1937, o relacionamento amoroso que lhe havia sido proibido.
Foi então que fez um curso de dança, e em 1944 tornou-se atração nos picadeiros de circos, sendo anunciada como a única, a exótica, a mais sexy e corajosa bailarina das Américas: Luz Divina e suas incríveis serpentes, às quais ela chamava de Cornélio e Castorina, na verdade, duas jibóias, cobras não peçonhentas. Em 1947, por sugestão do palhaço Cascudo, mudou o nome para Luz del Fuego, marca de um batom argentino recém-lançado no mercado, sendo contratada pelos donos de um pequeno teatro para apresentar o espetáculo Mulher de Todo Mundo, que fez grande sucesso.
Daí em diante Dora dedicou-se inteiramente ao chamado show business, fazendo apresentações no teatro Folies, em Copacaba, e rivalizando, na atenção do público, com grandes vedetes do teatro musicado da época, como Mara Rúbia, Virgínia Lane e principalmente Elvira Pagã, que também expunha o corpo, tinha idéias bastante avançadas para os anos 50, e disputava com ela o espaço nos noticiários da época.
Entusiasmada com o seu sucesso ela resolveu publicar trechos picantes de seu diário, como a sedução pelo cunhado e fatos que aludiam a uma prostituição assumida, anunciando na orelha da capa dos livros um segundo volume com o sugestivo nome de Rendez-vous das Serpentes.
Em 1950, Luz Del Fuego começou a reunir grupos de amigas em uma praia que se mantinha deserta devido ao difícil acesso, mas a polícia foi lá e levou todo mundo para a delegacia. Percebendo que o nudismo lhe asseguraria evidência, publicou o livro A Verdade Nua, e com a renda obtida em sua venda arrendou da Marinha a ilha Tapuama de Centro, com oito mil metros quadrados, nas proximidades de Niterói, rebatizada por ela como Ilha do Sol, onde instalou a sede do Clube Naturalista. Brasileiro, o primeiro desse gênero no Brasil.
Dessa forma ela se tornou conhecida em todo o país, chegou a ser capa de revista nos Estados Unidos, e seus shows eram garantia de bilheteria certa. A partir da segunda metade dos anos 50 a Ilha do Sol, apesar de não estar incluída nos roteiros turísticos oficiais, transformou-se em uma das grandes atrações do Rio de Janeiro, sendo visitada até mesmo por astros e estrelas do cinema americano, como Errol Flynn, Lana Turner, Ava Gardner, Tyrone Power, César Romero e outros.
A nudez era obrigatória e total na Ilha do Sol, e ninguém, nem mesmo autoridades e personalidades importantes, podiam desembarcar nela sem deixar no píer as peças de roupa que trajavam, porque seu pensamento e lema era o de que “o nudista é uma pessoa que acredita não ser a indumentária uma peça necessária à moralidade do corpo. Não é concebível aceitar-se que o corpo tenha partes indecentes, que precisam ser escondidas”.
Nos anos 60, Luz Del Fuego passou a viver na Ilha do Sol, e com isso suas reservas financeiras foram terminando. Ao mesmo tempo, como o avançar da idade começou a afastar de si os homens ricos e influentes, ela principiou a envolver-se com pescadores da região, homens rudes e analfabetos, e por isso seus amigos passaram a transmitir-lhe os temores que sentiam por sua segurança. Mas ela não os ouviu.
Até que em 19 de Julho de 1967 foi vítima de uma emboscada armada por dois irmãos que pretendiam vingar-se de uma denúncia que ela fizera contra eles, e acabou sendo assassinada em um barco juntamente com seu caseiro.
O Jornal do Brasil, em sua edição de 2 de agosto de 1967, assim noticiou a ocorrência: “Foragido foi quem matou Luz del Fuego – O assassinato de Luz del Fuego e do vigia Edgar foi confessado ontem pelo pescador Alfredo Teixeira Dias, foragido do Presídio-Geral do Estado do Rio, e que disse ter praticado o crime com a cumplicidade do irmão, Mozart Gaguinho, ainda desaparecido.
Os dois corpos foram retirados na tarde de ontem do fundo da Baía da Guanabara, a menos de cem metros da Ilha do Sol, pelos homens-rãs da Marinha. Os cadáveres permaneceram submersos durante 13 dias”.
Até hoje ninguém sabe dizer com certeza o por quê do assassinato de Luz Del Fuego. Oficialmente foi Gaguinho o autor do crime, mas este cumpriu pena e foi assassinado logo depois que saiu da prisão. Extra-oficialmente, circulou durante algum tempo a versão de que a morte da naturalista fora determinada por motivos políticos, embora a explicação mais aceita para o caso seja a de que o pescador, que já era um fugitivo da polícia, a tenha matado por vingança, em virtude dela o ter delatado às autoridades após uma briga que os dois tiveram.
A vida e a carreira artística de Luz de Fuego, marcadas por escândalos com a polícia e com os políticos, serviu de tema para o filme “Luz Del Fuego”, lançado no Brasil em 1982. Lucélia Santos e Walmor Chagas, desempenharam os principais papéis na referida película, e por essa participação receberam os prêmios de melhor ator e melhor atriz no Festival de Gramado do mesmo ano.

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